Algumas palavras a quem tem medo da Irmã Dor e da Irmã Morte...


Nascente do Rio São Francisco

 Muitas vezes nos escandalizamos com as brutalidades sofridas pelas pessoas, através da violência gratuita das grandes cidades, das guerras absurdas e injustiças por todos os lados.     Outras vezes sofremos na pele os vieses da vida e, não muito raro, nos perguntamos o por quê deste sofrimento.      Qual mãe não desejou para si a enfermidade do filho, em troca de seu restabecimento?   Qual pai não pensou em sacrificar a própria vida pela segurança da família?   Qual filho já não pensou em se doar pelo pai ou mãe?  Qual pessoa não juntou as mãos e rezou com medo da dor dos seus?   É mais do que natural desejarmos vida e saúde aos nossos ascendentes e descendentes...

 No entanto, toda criança a partir dos 7 anos sabe o ciclo da vida de nascer, crescer, reproduzir e morrer.  Nós, desejosos de sermos Deuses, conseguimos alterar boa parte desse ciclo:  abortamos nascimentos, alteramos o crescimento, manipulamos a reprodução e retardamos a morte.  Nossa incapacidade de sermos Deuses, no entanto, nos empurra para a finitude e, na realidade, não fomos culturalmente preparados para aceita-la como fato normal da vida.    Temos medo da morte assim como de tudo que não conhecemos.   Nossa ignorância grita à nossa cabeça e, como tolos, nos fazemos perguntas:   Por que ele adoece?   É justo que uma criança fique cega?   Qual será o sentido de termos doenças, algumas tão doloridas?   Nunca teremos uma resposta e se preocupar com essa dúvida é inócuo.     Possivelmente possamos nos consolar em pensar que uma árvore também adoece, um peixe é pescado, uma ave é abatida por outra maior e as flores, tão belas, murcham e morrem.  A natureza é assim e não podemos acreditar num determinismo de Deus, com dia e hora certos para a doença ou para a morte.   Nosso sentido de tempo é uma criação humana e nosso calendário é recente.  Deus e a Natureza não sabem das horas.   A Natureza é assim e não podemos controla-la, como desejamos.

E por que sofremos?    Qual seria a razão do sofrimento?   Talvez façamos a interpretação errada dos fatos da vida.   Enxergamos com os olhos de quem viu a vida toda passar buscando prazeres, privilégios, não admitindo bem as perdas, mimados por uma vida boa, infantis e imaturos por termos sido paparicados pela sorte e pela vida.   Por acaso a agonia de um animal a morrer é diferente da nossa?   A cegueira de um mergulhão, que o impede de pescar e comer, é considerada quando ficamos lamentando as nossas dores?   Pensamos que são coitadinhos mas que a vida é assim e a morte tem que ter um meio de leva-los...  Com eles entendemos a brevidade da vida mas com os nossos não podemos admitir.  Morre o rico e morre o pobre, morre o novo e morre o velho, morre o justo e também o injusto.  Morre-se.

 Estaria aberto o supermercado da vida, para podermos escolher as nossas dores e a nossa morte?   Lógico que ninguém quer sentir dor mas a dor pode ser reinterpretada, caso apareça.  Pensar que a sua dor é infinitamente menor que a dor de milhões de pessoas.    Oferecer a sua dor como oferenda, pensar na dor que nos aproxima da vida real, lembrar que a dor é democrática e que todos sentem dor...   Sua dor é grande em ver um ente querido sobre uma cama de hospital?   Ótimo, pois é sinônimo do amor que tem por ele mas quantos têm uma cama de hospital?  Jesus, em sua agonia, de tão só, chegou a chamar pelo Pai, suspeitando de um abandono.  Quantos doentes têm alguém para o acompanhar num amplo quarto particular de um hospital muito bem equipado?    Quantas dores alucinantes o vizinho do quarto ao lado tem tido?   Veja o sofrimento do mundo e verá que a sua dor é talvez pequena.   Lembrem-se das crianças órfãs de Serra Leoa, mutiladas propositalmente e condenadas à grandes sofrimentos, das meninas vendidas sem dó, dos que definham sem remédios e comida, da vontade de adoção dos que estão em orfanatos, do choro do esquecido sob as marquises, dos que apodrecem ainda vivos....  Não teria tido o nosso ente querido uma vida digna até sua doença, trabalhando à sua maneira, criando filhos, rindo e chorando em momentos especiais...?   Temos o direito de exigir de Deus um sofrimento diferente dos que a Natureza nos imputa?   Estamos nos queixando a Deus e a sorte?  

 Quais serão os planos de Deus e como explicar o sofrimento?  Bobagem querer deduzir isso...  Deixemos os planos de Deus com Deus.  Não queiramos interferir tanto e querer ponderar o que acontece.   Sua reflexão é infrutífera e mesmo seus pedidos ao pé da Igreja deveriam ser ponderados:   temos o direito de pedir vida àquela idosa agonizante?  Saberíamos indicar a Deus a hora certa de leva-la?   Por acaso esquecemos do que rezamos no Pai Nosso:  Seja feita a Vossa vontade?   Ou seja feita a minha, a nossa, a sua vontade?  

 Como filhos de Deus temos que compreender que não temos capacidade para entender seus desígnios.   Como pais, muitas vezes negamos a nossos filhos um brinquedo perigoso, uma comida suspeita ou um passeio inseguro.   Os filhos, ‘que sabem tudo’, se rebelam, reclamam e “ficam de mal”.   Depois, com o tempo, acabam entendendo que aquela negativa era sinônimo de carinho, de preservação e farão as mesmas coisas quando se tornarem pais.    Em relação a Deus, nós também teimamos que nossos pais ou filhos não podem sofrer, e, absurdo, questionamos Deus.  Não admitimos que Deus e a Natureza possam agir à sua maneira mas sim de acordo com nossas vontades.   Somos infantis e mimados demais para refletir isso? 

 E como cuidar dos nossos doentes?   Cuidar como gostaríamos de ser cuidados.   A filha não deve temer entregar seu pai aos cuidados médicos, ainda que sinta aflição numa suposta idéia de abandono.  Por acaso a nova mãe, ainda que com nó no peito, não deve deixar seu filhinho numa incubadeira de hospital, caso ele precise, por quanto tempo for necessário?   Desejaria nosso pai que dedicássemos integralmente nossa juventude aos seus cuidados ou, em sua sã consciência, ele aceitaria uma ajuda externa?  Abandonar, jamais, mas deve-se ter bom senso em saber que alguma ajuda é necessária.   Deve-se também lembrar que ninguém é eterno e que a ordem natural da vida é que os mais velhos se separem de nós antes dos mais novos.  É a Natureza impondo seus limites.   Busquemos encarar isso como a vida, ainda que sintamos o nó no peito daquela mãezinha.  O nascimento e a morte são encontros solitários.
Para um feto, o nascimento natural é sua morte.  Ele tem a perder a proteção, o alimento, o calor, tudo que o sustenta e está a sua volta.  Provavelmente não desejaria sair e alguns, já em sofrimento, têm que ser arrancados do ventre da mãe, como muitos de nós somos arrancados deste mundo.  Ele perde tudo isso e, com nossas palavras, ‘morre’ como feto mas ganha outra vida, agora como criança.  Vida essa de outros tantos prazeres, de outros tantos carinhos e amores, sabores e cores.   Imagine-se passar pela vida sem sentir o amor dos pais, o amor pelos filhos, os prazeres da vida, a risada bem dada, o doce gostoso, o cheiro de algo na memória da infância, o perfume da avó, a história do avô, a brisa boa, o sol quente, a paisagem linda, a cama que nos nina.  Tudo isso só pôde ser sentido por quem, como feto, morreu.  Aí chega o momento da despedida dessa vida e, como os fetos, nos agarramos às nossas seguranças e não desejamos conhecer uma nova vida.   Deus estaria planejando para nós um tempo de amargura, de dor e de aflição ou ganharemos uma vida ainda melhor, de maior plenitude, impensável para nossas mentes limitadas? 

 Por que insistirmos em ficar aqui, nesta vida, e não admitir o fato natural de morrer?    Prolongamos o sofrimento de nossos doentes terminais sem admitir que Deus pode ter planos maiores e melhores, onde a dor sentida cessará e que o amor possa ser ainda maior. Lógico que a esperança de um dia de plena cura do nosso ente querido nos faz pedir pelo melhor remédio e isso é normal.    Não devemos, no entanto, temer a morte e questionar a Deus quando ela se aproxima.   São Francisco de Assis a chamava de irmã Morte e cantou a ela quando sentiu que se aproximava.   Acreditar na finitude absoluta, no término de tudo quando a morte chegar, seria admitir que o mundo não é bom e que tudo se dissipa como vento.    Admita-se como criatura e aceite que não temos maturidade e conhecimento para entender o sentido da vida.   Tente esquecer um pouco as perguntas porque as respostas não nos cabe conhecer, viva o que está aí para ser vivido, fale com sinceridade do amor que sente para os que estão conosco e tenha certeza que, ainda como falava São Francisco, a vida é curta e a morte é certa.   Tente, muito, aproveitar a vida, amar seus queridos, dizer e sentir isso perto deles, para que, no fim de sua vida, você perceba que, ainda sem entender o sentido da vida, viveu feliz.   É uma opção de vida, é educar o olhar para enxergar as coisas boas, é ter fé que a vida será, depois da morte, ainda melhor e que seu amor permanecerá no peito daqueles que lhe cruzaram a vida.  O amor fica, o amor é eterno e o amor se encontrará novamente, em algum lugar que não conseguimos pensar. Uma das poucas certezas que temos da vida é que podemos ser felizes, se quisermos.  Não tenham medo!  
Para verificar coincidências:  Mateus 14,27;  Marcos 16,6; Lucas 12,4   
Arnaldo Lyrio Barreto, OFS

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