O início da atividade de pregador
Santo Antônio. Girolamo Romanino [1484-1562], pintor italiano
Deixamos frei Antônio naquele
lugar solitário de Monte Paulo onde, com contato com uma natureza exuberante e
pródiga, dedicava-se à oração, à contemplação juntamente com os cuidados da
horta, do jardim e da limpeza da casa.
De manhã celebrava a Missa com os frades. À tarde sempre explicava-lhes com simplicidade
trechos da Sagrada Escritura. Era uma
vida que lhe fizera deixar para trás muitas saudades (Portugal!), muitas
tentações (África!), muitas dúvidas (Assis!).
Sua alma sentia-se mais tranquila.
Parecia-lhe ter encontrado, pelo menos em parte, mais segurança na
vocação. Deus, porém, através dos caminhos desta vida, sempre aponta caminhos
novos, inesperados. E foi o que aconteceu com frei Antônio. Mais uma vez muda-se o destino de sua vida.
Forlí
Esta cidade ficou marcada para
sempre na vida de Frei Antônio. Eis
porquê:
Corria o ano de 1222. Na catedral estava para se realizar a
ordenação sacerdotal de vários jovens diáconos. A Catedral estava lotada de
fiéis. Padres e irmãos tinham vindo de todas as partes para participarem
daquele evento tão importante para a vida da diocese.
Tinham ido também os frades do
conventinho de Monte Paulo e entre eles, é claro, Frei Antônio. Quando todo
mundo estava se preparando na sacristia (bispo, padres, coroinhas) notou-se a
ausência do pregador escolhido há tempos para proferir o sermão durante a
celebração. O mestre de cerimônias
viu-se confuso diante daquele imprevisto e começou a pedir a um, a outro, mas
todos se esquivavam apresentando alguma desculpa. Estava presente também frei
Graciano, o superior provincial dos Franciscanos. A certo momento frei Graciano
troca algumas palavras com o mestre das cerimônias, sempre olhando para Frei
Antônio, que estava a uns seis passos de distância.
_ “Aí vem chumbo grosso”, pensou
consigo mesmo Frei Antônio.
Dito e feito.
Eis Frei Graciano pedindo-lhe que
fizesse o sermão, Frei Antônio recusou-se de todos os modos. Seus colegas de convento, vendo aquela cena,
até imaginavam com uma certa dose de benigna ironia aquele fradezinho, embora
sacerdote, varredor de cozinha, encarregado da horta, etc., etc., de repente
subir o púlpito da catedral de Forlí.
Até que seria interessante! A um certo ponto da conversa, vendo que
todos os argumentos eram impotentes para convencê-lo, frei Graciano disse:
_ Frei Antônio, você é sacerdote.
Por isso deve saber alguma coisa da
Sagrada Escritura. Em nome da
obediência, eu ordeno que faça o sermão.
Diga o que Deus lhe inspirar!
Frei Antônio não teve como dizer
não, inclinando respeitosamente a cabeça.
Enquanto isso, a procissão já ia se movimentando em direção à catedral,
acompanhada pelo som solene do órgão e do canto do coral: “Eis o grande
sacerdote”. Na hora da homilia, frei
Antônio subiu ao púlpito e começou a falar sobre aquelas palavras de São Paulo:
“Cristo se fez obediente até a morte e a morte na cruz” (Fil. 2,8). Suas
palavras, em italiano popular, a princípio vagarosas, pesadas, eram dirigidas
ao povo que lotava a igreja naquela ocasião.
Aos poucos ele vai sentindo firmeza, entusiasmo e se inflama. Sua comunicação é direta. Toca o coração daquela gente simples e
humilde que o escuta atentamente e recebe a mensagem de força, de esperança e
de coragem de viver, naqueles tempos difíceis em que os ricos exploravam os
pobres reduzindo-os à escravidão e à miséria.
Contra os pecados dos poderosos que oprimiam o povo, a palavra de frei
Antônio é dura, clara e incisiva convidando-os à conversão para uma vida de
justiça e de dignidade. De repente frei
Antônio muda de língua e começa a falar em latim (e que latim!) dirigindo-se ao
bispo ordenante, aos padres presentes e aos jovens clérigos que estão prestes a
serem ordenados padres. Cita longos
trechos da Bíblia, Antigo e Novo Testamentos, interpreta as passagens das
Sagradas Escrituras de uma maneira simples e ao mesmo tempo profunda fazendo
comparações com fatos da vida de cada dia.
Revela assim sua capacidade de reflexão a partir de um conhecimento
profundo da Palavra divina e da alma humana.
Quem ler os “Sermões” de Santo Antônio, até hoje, não deixa de admirar
essa qualidade do Santo.
Quando frei Antônio terminou o
serão e desceu do púlpito, muitos olhos de fades, alguns amarejados de lágrimas
e todos cheios de estupefação, seguiam-no com emoção e admiração. Nunca tinham ouvido palavras tão bonitas,
profundas e transmissoras de algo tão diferente para a vida cristã. Até o bispo, como que petrificado no trono,
só com dificuldades conseguiu movimentar-se para continuar as cerimônias. O superior dos frades dominicanos, célebres
por suas pregações, aproximou-se de frei Graciano, superior dos franciscanos e
sussurrou-lhe aos ouvidos:
- “Onde foi que vocês acharam
esta arca de sabedoria”? Certamente o Espírito Santo é que falou nele.
Frei Graciano – que também tinha
sido colhido de surpresa – com um certo ar de satisfação, respondeu:
- Eh! Esse é o frei Antônio...
Frei Antônio de Lisboa. Ele veio de
Portugal. É um pregador e tanto! O Sr. Está vendo? Os frades menores também
tem gente boa em Bíblia...
Mas dentro de si, frei Graciano
cogitava:
-Puxa vida! E eu pensava que frei
Antônio era bem mais capaz de lavar pratos do que ensinar as Sagradas
Escrituras...
Terminada a missa, ao mesmo tempo
em que fiéis e clero cumprimentavam os recém-ordenados sacerdotes, todos
queriam ver, conhecer, saber quem era aquele frade que tinha feito o sermão.
Frei Antônio mal e mal consegue
responder às perguntas, sorrir para uns, acariciar uma criança. Todos querem conversar com ele ou ao menos
tocar seu hábito franciscano, considerando-o já uma espécie de santo.
Até os frades, seus colegas de
Monte Paulo, olham aquela cena maravilhados e incapazes de compreender como é
que, em mais de um ano, não tinham percebido o tesouro que tinham em seu
meio. Até parecia-lhes estar vendo uma
outra pessoa. O próprio bispo se
aproxima de frei Antônio, cumprimenta-o apertando-lhe a mão e dizendo:
- Parabéns! Que você uma sempre
uma grande humildade à grande sabedoria que demonstrou hoje.
Frei Antônio jamais se esqueceu
dessas palavras. Como também daquelas
outras de Frei Francisco de Assis, lá naquela grande reunião chamada Capítulo
das Esteiras, das quais estas pareciam um eco: “Anunciem aos fiéis os vícios e
as virtudes com palavras simples e breves e tenham sempre em estima e acima de
tudo o Espírito do Senhor e o seu santo modo de operar”.
Pouco a pouco todos voltam pra
casa. Também frei Antônio, para o
querido conventinho de Monte Paulo. Lá
os colegas querem substituí-lo nos serviços caseiros da limpeza e da horta. Frei Antônio recusa terminantemente. E assim continua sua vida como antes.
Como antes?
Esse era seu pensamento. Mas já pressentira, pelas conversas ouvidas,
que algo diferente iria acontecer-lhe.
Não deu outra. Um dia, perto do
meio-dia, chega ao convento frei Graciano.
Almoçam juntos. Após a refeição,
o superior convida-o a um passeio por entre o bosque para uma conversa. Frei Antônio só escuta:
- Olhe, frei Antônio, eu fiquei
muito bem impressionado com a sua obediência e o seu sermão lá naquela
ordenação sacerdotal de Forlí. Tenho até
que pedir-lhe desculpas, porque eu o imaginava não muito culto e o coloquei
aqui em monte Paulo para celebrar a missa, já que os irmãos insistiam neste
sentido há muito tempo. Estou
extremamente feliz por saber que você se dedicou Sagradas Escrituras. Confesso que o sermão de Forlí foi para mim
uma grata surpresa...
Frei Antônio escutava. De repente um esquilo passou rápido e sumiu
no arvoredo distraindo-lhes um pouco a atenção, mas fazendo surgir-lhes nos
lábios um leve sorriso de amor à natureza.
E frei Graciano continuou:
- Agora tenho que dizer-lhe uma
coisa, frei Antônio. Você terá que
deixar este silêncio de Monte Paulo...
A estas palavras, frei Antônio
teve um estremecimento e sua vista se obscureceu. Seus ouvidos, num eco contínuo começaram a
ser martelados pelo som do verbo deixar... deixar... deixar! Mas foi um
instante apenas. Logo lhe soaram claras
as palavras de frei Graciano que acrescentou:
- Você vai ter que deixar Monte
Paulo para anunciar o Evangelho. O povo
está sedento da Palavra de Deus. Precisa
de alguém que lhe aponte o bom caminho.
Há muita gente também levando o nosso povo para o erro, para as
heresias: crianças, jovens e adultos. E
é preciso alguém que lhes pregue a Palavra do Senhor. E você sabe pregar, conhece teologia. Então?!?
E fez-se silêncio. Os dois frades continuaram caminhando,
meditando por entre a sombra gostosa dos verdes pinheiros da montanha.
Mais uma vez frei Graciano toma a
iniciativa:
- Olhe, frei Antônio, hoje eu
estava lendo o Evangelho de MT 5,14: “Vocês são a luz para o mundo todo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre
um monte. Ninguém acende uma lamparina
para colocar debaixo de uma vasilha. Ao
contrário, ela é colocada no lugar próprio para que ilumine todos os que estão
na casa. Assim também a luz de vocês
deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o
Pai que está no céu”. Penso que estas
palavras iluminam a missão que quero dar para você, isto é, a pregação. Chegou para você a hora de iluminar com a luz
de Deus os passos do nosso povo. Então você vai com a minha bênção por toda
esta região da Romanha, e toda Itália. E
pregue sempre e a todos a Palavra de Deus.
Após estas palavras, frei
Graciano pára e, frente a frente com frei Antônio, lhe pergunta:
- E então, frei Antônio, aceita
esta missão?
Finalmente frei Antônio abre a
boca e diz com convicção:
- Se esta é a vontade de Deus,
estou pronto. Estou aqui para o que der
e vier.
E, como era costume naquela
época, ajoelha-se diante do superior com o cordão franciscano no pescoço. Frei Graciano o faz levantar-se e dia, ciente
da história da vida de frei Antônio:
- Ofereça sua cabeça e seu
pescoço não à espada do carnífice, mas sim à Palavra de Deus pelos caminhos do
mundo. Será bem mais que um martírio.
Os dois se abraçam e voltam ao
convento.
Dias mais tarde, frei Antônio se
despede dos irmãos e desce o caminho estreito e tortuoso de Monte Paulo rumo à
planície da Romanha. Nos corações dos
irmãos franciscanos resta uma saudade e um desejo. Saudade por terem convivido com um
Santo. Desejo que aqueles lábios, por
tanto tempo fechados, se abram para anunciar a Boa Nova do Evangelho num mundo
marcadamente hostil. Boa notícia da
verdade, da justiça, da dignidade, da fraternidade.
Santo Antônio, pregador da palavra de
Deus
Em Forlí, Itália, Santo Antônio
foi convidado a dirigir sua palavra ao povo reunido na Igreja para uma Missa de
ordenação sacerdotal.
Foi nesta ocasião que ele revelou
seu extraordinário carisma de pregador popular.
Daí pra a frente nada mais parou seu entusiasmo missionário. Um amplo campo de atividades estava se
abrindo.
O conventinho de Monte Paulo
ficou-lhe às costas. Estendia-se agora
diante de Frei Antônio o imenso campo de um povo da região da Romanha, da
Itália e, mais tarde, da França, um povo tão sedento da Palavra de Deus quanto
ignorante e continuamente confundido pelos pregadores heréticos da época.
Frei Antônio tinha recebido do
ministro provincial a incumbência da pregação.
Normalmente o clero da época era totalmente omisso quanto a esse
ministério. E eram muitas as heresias, isto
é, os erros de doutrina, de ensinamento e de comportamento com relação à Igreja
católica, a Jesus Cristo, à Eucaristia, etc. E aí, os lábios de Santo Antônio,
há tempos fechados, se abriram para anunciar por toda parte a boa nova do
Evangelho. Passava por cidades e
castelos, vilas e campos espalhando por toda a parte a semente da Palavra de
Deus. Mais do que nunca lhe foi útil a sua grande e profunda cultura teológica,
mas, sobretudo o que mais lhe valeu foi sua incansável bondade para com as
pessoas e a sua grande fé na missão que Deus lhe tinha reservado.
Santo
Antônio
Vamos conhecer a vida de um grande Santo
Geraldo Monteiro
Giuseppino De Roma
Editora Mensageiro de Santo Antônio – 9ª edição - Janeiro de 2006
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