"Vigiai, porque não conheceis nem o dia nem a hora”
Foto: Município de Abdon Batista - SC
Mt 25,13.
1.
VIGIAR: velar, estar atento, prestar atenção,
tomar cuidado, ser cauteloso, ser previdente, andar com olhos abertos, não se
deixar pegar de surpresa. Cristo recomenda vigilância em muitas coisas, pois
tudo o que é vivido em vigília é feito acordado. Na frase em questão, Cristo fala da
vigilância que devemos manter em relação ao encontro com ele, a chegada de
nosso dia de contas, pois é tirada da parábola das virgens, cinco prudentes e
vigilantes e cinco doidas e descuidadas. A morte, queiramos ou não, seja qual
for a ideia que fazemos do após-mote, é um episódio que se planta no meio de
nosso caminho, com o qual nos encontraremos, cedo ou tarde. Apenas questão de tempo. Se assim é, ensina Cristo, por que viver como
se ela não nos atingisse? Por que não
colocar também a morte em nossos cálculos?
A certeza de qe nos aguarda nos tornaria mais prudentes diante da forma
de armazenar bens e valores, como nos forneceria a justa disposição dos valores. Há uma série de valores, dos quais estamos
convencidos, não colaborará em nada para tornar este instante menos
penoso. E há valores – está escrito
dentro de nós – que facilitam este encontro, sempre carregado de perguntas e
temores misteriosos. A vigilância não é
apresentada como forma de escapar à morte, mas como forma de fazermos, de
antemão, as pazes com ela, para, a exemplo de São Francisco de Assis, marchar
para ela como quem vai ao encontro de uma irmã.
2.
NÃO SABEMOS: se, de um lado, sabemos na certa que
ela virá, do outro lhe ignoramos o momento, as circunstâncias que a
acompanham. O importante é não divisá-la
como um monstro colocado a certa altura do caminho, prestes a devorar todo o
nosso passado. Ela é uma porta que dá
ingresso ao local, onde nosso passado será iluminado e aparecerá como parte de
um todo, como nossa colaboração a um plano global. Iluminados e esclarecidos, veremos como Deus
soube colher graças de nossos pequenos atos e vida de nossas pequenas mortes
cotidianas, como positivou tanta coisa através de aparentes fracassos. Veremos como nossos pequenos gestos
mergulharam no oceano da humanidade e se tornaram poderosas torrentes a
movimentar esta mesma humanidade na sua caminhada descompassada e sofrida. Nossas lágrimas serão recolhidas, nossos
suores apanhados e na taça de Deus serão uma coleção de diamantes. A morte não é, pois, a exterminadora, mas a
mão amiga a nos colocar, docemente, na soleira da casa do Pai, onde ele, de braços
abertos, aguarda nosso retorno e nos introduz nos aposentos que sempre reservou
para os filhos amados. Os anos que
correm devem elaborar em nós uma coexistência pacífica e fecunda com esta
realidade, para que quando ela acontecer signifique o amanhecer risonho que nos
introduz na luminosidade do Pai.
3.
O DIA: especificamente, a data. Ignoramos esta data. Não deixa, porém, de estar presente em nossas
vidas. Há muitos sinais que apontam para
este dia. Você não pode tomar sua agenda
e fazer um círculo vermelho em torno da data, como nela não pode escrever: este
é o meu dia. Mas duvido que tal
possibilidade fosse boa coisa. Teu dia
são todos os dias. Vive-se como se cada um fosse o último. Último na trajetória histórica. Último na contagem que pode ser registrada em
números. Porque [[último]] leva o sabor
de algo doloroso. De algo pesado. De algo tristemente final. Com o amargo de toda despedida. Depois disso, o desconhecido, o
mistério. Para nós cristãos, último
deveria soar como o derradeiro degrau de uma longa escada. O derradeiro passo sobre um caminho
exaustivo. É o dobrar da última curva
que nos oculta o verdadeiro panorama da casa paterna, com seus muros bancos e
chaminé fumegante, indicando aconchego e carinho. É aquele último espaço que ainda medeia entre
mim e o Pai. Mas... o apego de cá me
enche de pena de abandonar, o pouco apego de lá me deixa temeroso de
chegar. Não conheço o dia, mas ele está
no calendário de Deus, como o dia de meu nascimento, o meu Natal. Não no
sombrio de uma desgraça. Mas no esplendor da ressurreição. Desfaz-se a morada
terrena, recompõe-se a eterna.
4. A HORA: parece
especificar mais ainda a data. Hora é
realidade mais minuciosa do que dia. Se
ignoro o dia, mais desconheço os últimos momentos, as circunstâncias em que
minha passagem para o Pai vai acontecer.
A curiosidade é grande. Por isso,
todas as horas devem ser transformadas em momentos aproximadores e
aprofundadores desta hora, visto que é esta a forma de consumar minha vocação
histórica. Consumar significa: concluir,
completar, terminar, ultimar, chegar a bom termo. Cristo, durante sua vida, desejava
ardentemente por esta hora. E, quando
esta hora se esgotava, pendendo ele da cruz, entre a terra poluída que viera
salvar e o céu que o chamava, exclama: tudo está consumado. É o grito do término de uma missão. Entregou-se ao Pai e pendeu a cabeça... S.
Paulo desejava ardentemente esta hora, em que seria dissolvido em Cristo. S. Inácio de Antioquia almejava apaixonadamente
ser triturado pelos dentes dos leões no Coliseu de Roma. Não se prendiam eles ao momento, mas lançavam
o olhar na imensidão da paisagem iluminada que se lhes abria além desta
hora. Não viam a cruz do Calvário, viam
os albores da ressurreição. Não sabemos
quando, mas sabemos que esta hora do encontro ali está, a alguns passos de nós,
prenhe de lua e de glória, junto ao abraço do Pai. Acostumemo-nos a ir a ela.
Retirado do Livro: A semente se fez árvore – Frei Hugo Baggio,
OFM – Editora Vozes – 1980.
(Frei Hugo Baggio, já falecido foi Assistente
Espiritual da Fraternidade de Santo Antônio do Largo da Carioca).
In memoriam ao nosso irmão Iniciante WOLNER HERASTTO CERQUEIRA BÖLLKTTING,
que faleceu aos 67 anos com o desejo de se tornar irmão Professo na Ordem
Franciscana Secular, mas que chegada sua hora hoje está diante do Pai.
Com carinho dos irmãos da
Fraternidade de Santo Antônio do Largo da Carioca.
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